Inês Santana

Olá! Sou portadora de uma doença chamada Charcot-Marie-Tooth, CMT tipo 1. Esta doença herdei de minha mãe, pois ela, sem saber, passou uma vida inteira com dores, falta de força, com suas mãos e pés diferentes das outras pessoas, sem se dar conta que poderia ser uma doença. Então eu nasci da mesma forma; nunca fiz nada que necessitasse de grandes esforços, quando nova nem a carne cortava. No início achava muito bom ter alguém que cortasse os alimentos mais duros para mim, ou então não comia esses alimentos.

Os anos foram passando e eu sempre reclamando de muitas dores nas pernas, as vezes me doía, também, as mãos e pulsos. Minha mãe achava que era porque, sendo filha única, eu queria chamar atenção, pois reclamava mais para meu pai; só ele é que fazia massagens, enrolava minhas pernas e me mandava ficar deitada.

Um belo dia, eu e meus amigos fomos brincar de correr, morávamos na periferia onde havia muitas lombadas, e um deles me pegou pela mão para corrermos mais forte, no meio da descida não aguentei, meus joelhos simplesmente afrouxaram e a patela do joelho esquerdo saiu totalmente para o lado de fora, mas, no susto, e já no chão, dei um soco no joelho e coloquei a patela no lugar, não sei se foi bom ou ruim, a dor foi muito grande. Tive que ir para casa no colo, não podia mais apoiar o pé no chão. Minha mãe, assustada, achou melhor me levarem ao Pronto Socorro. O médico que me atendeu pediu que tirassem minha calça, para examinar a perna, mas a perna estava tão inchada que só cortando a calça; então, mesmo com dor, pedi que cortassem bem na costura, para não estragar, pois era pobre e adorava aquela calça.

Assim fizeram. Durante o exame sentia muita dor, mas me mantive firme. Imobilizaram minha perna e tive que ficar alguns dias de molho. Deu resultado, após o repouso tirei a tala e comecei a fisioterapia. Melhorou, porém, a partir daquele dia, a patela saia do lugar por qualquer motivo, até mesmo se eu sentasse de mau jeito. Passei a adolescência tirando e botando tala ou gesso.

Apesar das dificuldades não faltava a aula, meu pai me levava, na viatura da brigada, chegando à Escola me carregava no colo até a sala de aula, e sempre tinha ajuda dos colegas. Tive muita dificuldade para copiar do quadro negro para o caderno, não tinha muita agilidade; quando as professoras apagavam o lado para colocar mais coisas, eu nunca tinha terminado de copiar. Sempre tinha que levar para casa um caderno de colegas. Bom, fui me acostumando com a situação e aprendendo a me cuidar melhor, até mesmo com as brincadeiras, pois, nessa época, já eram as duas patelas que saiam do lugar. Porém, um dia fomos a praia, e ao entrar no mar pela primeira vez, eu e uma amiga, hoje minha comadre, veio uma onda e bateu nos meus joelhos. Pimba! Caí, ela tentou me ajudar, quase nos afogamos. Nos retiraram da água e me levaram para um Hospital de traumatologia em Porto Alegre, onde fui direto para cirurgia.

Assim foram se passando os anos, eu operando – já fiz um total de 11 cirurgias corretivas – e fazendo fisioterapia. Meu marido sempre a meu lado. Começamos a namorar eu tinha 13 anos, noivamos quando fiz 15 e casamos no dia que fiz 17 anos. Quando fiz 19 anos ganhei minha filha, meses depois tive que fazer nova cirurgia corretiva. Então, meu ginecologista e o traumatologista, acharam melhor que eu não tivesse mais filhos, fiz laqueadura.

Começamos a observar nossa filha desde os primeiros passos, não deu outra, ela era como eu e minha mãe, fraquinha e diferente de todas as crianças. Iniciamos a investigar com médicos, até que um dia nos indicaram um neurologista. Após exames simples ele já deu o diagnóstico, mas nos convidou a internar, por conta dele, no Hospital da PUC de Porto Alegre. Aceitei na hora, pois achei que era bom para minha filha, mas foi bom para nós duas. Foram feitos vários exames: eletroneuromiografia, vários RX, líquor espinhal e biópsia do músculo da perna. Ficamos uma semana “hospedadas” nesse hospital.

Após uns trinta dias fomos chamadas no hospital, no setor de doenças raras. O neurologista nos deu o diagnóstico, explicou tudo e, o pior de tudo, me disse que quando atingisse a idade de 40 anos, provavelmente estaria em uma cadeira de rodas, na época eu estava com uns 30 anos e minha filha 10. Não aguentei, tapei meus ouvidos e gritei que não queria ouvir mais nada e que ele não era Deus, e saí da sala; meu marido ficou se desculpando, mas eu não. Mas foi bom isso acontecer, pois daquele dia em diante corri atrás da máquina, fazendo fisioterapia, acompanhamento neurológico e tudo mais, sempre com ajuda do meu marido. Também, nunca mais largamos a nossa filha de mão. Ela já fez três cirurgias corretivas, inclusive está se recuperando de uma que fez em dezembro de 2014.

Hoje estamos bem, estou com 50 anos, faço hidroginástica, sempre com acompanhamento médico, e tomo medicação contínua. Só não ando de ônibus, pois não tenho força para subir os degraus e nem para me segurar nas freadas. Minha filha faz hidroginástica. Minha mãe, por estímulo meu, fez exames e se trata com meu neurologista, também faz fisioterapia, mas está muito ruim, pois, quando soube o diagnóstico se atirou nas cordas, ficou com peninha dela e não se tratou; caminha com muletas, se agarrando onde pode, na rua não caminha mais.

Acho que a nossa história é mais ou menos essa; ainda estamos lutando, cada uma com suas limitações. O importante em tudo isto é o amor, que eu, minha filha e minha mãe temos uma pela outra, sempre nos ajudando,

graças a Deus.