Depoimento de Ana Paula

Ana Paula Albuquerque

Eu sempre me olhei no espelho e me vi “diferente”, eu não corria como meus amigos, eu não andava como meus amigos….

Meus pais só se deram conta disso aos 11 anos, quando as quedas sem motivo aparente se tornaram mais frequentes, e durante todos aqueles anos eu sofri com os comentários a respeito dos meus pés “feios” e as canelas muito finas, era difícil para mim entender porque aquilo acontecia comigo, e por diversas vezes me tranquei em casa dizendo para minha mãe que não iria mais a escola, graças a Deus eu sempre voltava atrás. Aos 12 anos fui levada pelo meu pai a Santa Casa de São Paulo, e foi lá que diversos ortopedistas me avaliaram, chegando à conclusão de que eu tinha escoliose; notaram meus pés cavos e varos, mas, em nenhum momento cogitaram que poderia ter uma doença degenerativa; fiz fisioterapia por um tempo para corrigir a escoliose, durante esse tratamento meu fisio na época, Dr. Heitor, percebeu o quanto meus tendões eram inflexíveis, aos 12 anos eu não tinha alongamento algum, já era limitada nos movimentos, ainda assim nada mais foi investigado, me mandaram fazer natação para ajudar e me deram alta. Eu não fiz natação, era muito caro e nós éramos muito pobres.

Os anos passaram, eu passei a adolescência inteira jogando vôlei porque não precisava correr e disso eu gostava, acredito que o vôlei tenha ajudado para que a doença progredisse mais devagar. Quando aos 18 anos fiquei grávida de meu primeiro filho meu corpo deu sinais de que estava em colapso, sentia dores no quadril, nas pernas, nos braços, sentia muito calor, tremores, cãibras; do segundo filho aos 24 eu já estava muito pior, ia trabalhar arrastada, mancando, virando o tornozelo. Quando fiz vinte e oito me convenci de que aquilo não podia ser natural, e fui atrás de respostas, recebi muitos “você não tem nada” ou “troque seu travesseiro”, mas nada bastou para mim, com muita força de vontade consegui, finalmente, que a prefeitura de minha cidade me levasse até Ribeirão Preto, neste ano eu já havia passado num ortopedista muito bom que me disse que o que eu tinha era Charcot-Marie-Tooth, neste dia eu morri um pouco, aos 28 anos eu tinha uma doença rara, sem cura e degenerativa, eu sabia pouco e tive medo. Na Eletroneuromiografia havia constado uma polineuropatia sensitiva heredodegenerativa, o que estava bem longe do diagnóstico real. Finalmente ao passar no HC de Ribeirão fui diagnosticada com Amiotrofia Espinhal Distal, uma “prima” da CMT, só que afeta apenas a parte motora comprometendo muito pouco ou nada da sensitiva.

Hoje, mais de três anos desde o início da minha peregrinação, ainda há muito a se caminhar, não consegui ainda o resultado do exame de DNA que ateste a doença sem dúvidas, não tenho uma equipe médica perto da minha casa que me atenda e saiba mais de CMT ou Amiotrofia do que eu mesma, depois de tanto ler; o fisioterapeuta da minha cidade ainda não conseguiu compreender que necessito de acompanhamento constante e não 10 sessões. A cada problema que aparece e vou ao médico, tenho dúvidas se informo minha patologia, por medo de ter tudo que sinto associado a ela, por isso já ocultei esse fato muitas vezes.

De tudo isso muitas lições aprendidas, muita força adquirida, me perdoei por minhas limitações, entendi que elas não me fazem feia ou pior, me fazem mais humana. Aprendi a olhar o ser humano com mais ternura e principalmente e viver os dias como se fossem os últimos, sem muitas reclamações, caindo e levantando, sorrindo e as vezes chorando, mas vivendo e não existindo, porque aos olhos do Pai Jeová somos todos perfeitos.